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Alternativas para minimizar os impactos tributários relacionados ao processo de recuperação judicial

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Este artigo tratará de (i) breve histórico do tratamento especial conferido ao débito tributário do devedor em recuperação judicial; (ii) interesse público primário em favor da preservação da empresa; (iii) benefícios previstos na lei 11.101/05, com redação dada pela lei 14.112/20, que são de aplicação restrita ao débito tributário Federal do devedor em recuperação judicial, e de benefícios instituídos pela lei 13.988/20 (“lei da transação”), com as alterações promovidas pela lei 14.375/22.1


Breve histórico

Em 2005, quando editada a lei 11.101/05, que regulou a falência, a recuperação judicial e a extrajudicial do devedor empresário, foi editada também a LC 118/05, porque o novo sistema da crise da empresa trouxe profundas modificações em relação ao sistema anterior e muitas dessas modificações não poderiam ser feitas por lei ordinária.


Isso porque a União tem competência para, mediante lei ordinária, legislar sobre falências e concordatas editando normas de direito material e de direito processual (CRFB, art. 22, I),2 mas, só por LC pode dispor sobre normas gerais em matéria tributária, por exigência do art. 146, III, da Constituição da República Federativa do Brasil (“CRFB”).3


O legislador complementar, atento à necessidade de propiciar ao devedor em recuperação judicial meios de equacionar o passivo tributário, editou os §§ 3º e 4º, acrescentados ao art. 155-A do Código Tributário Nacional (“CTN”), pela LC 118/05, asseguram-lhe o direito ao parcelamento.4


O objetivo do legislador foi o de atribuir ao devedor em recuperação judicial direito ao parcelamento (§ 3o do art. 155-A do CTN) e garantir a efetividade desse direito (§ 4º do art. 155-A do CTN).


O texto original da lei 11.101/05 e a LC 118/05 – que alterou o CTN, para regular matérias que dependem de LC – tentaram resolver o problema do passivo tributário com: (i) a instituição do direito ao parcelamento especial para empresas em recuperação judicial; e (ii) a exigência da apresentação de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de dívidas tributárias, após a aprovação do plano de recuperação judicial. Sem sucesso.


A apresentação de certidão negativa de dívida tributária revelou-se impraticável, por não editadas as leis instituindo o parcelamento especial. Isso levou a jurisprudência a consolidar-se no sentido da inexigibilidade da apresentação de certidões fiscais, enquanto não editadas leis especiais de parcelamento para empresas em recuperação judicial (nesse sentido REsp 1.187.404 – MT).5


A falta de lei dispondo válida e eficazmente sobre o parcelamento ensejou o problema do prosseguimento de execução fiscal, com penhora de bens e/ou receitas que inviabilizem o soerguimento da empresa. O STJ resolveu o impasse com a atribuição ao Juízo da Recuperação Judicial de competência para decidir sobre tais constrições (nesse sentido CC 149.827 – RN).6


No âmbito Federal, foi editada a lei 13.043/14, que alterou a lei 10.522/02, mediante introdução do art. 10-A, que instituiu o parcelamento escalonado, para empresa em recuperação judicial, com prazo de 84 meses e fixação de percentuais reduzidos para as parcelas a serem pagas nos primeiros anos. Essa lei não resolveu o problema, dada a exigência de consolidação de todas as dívidas tributárias do devedor e a renúncia ao direito de discuti-las, tendo o STJ decidido que a sua edição não afastava a competência do Juízo da Recuperação Judicial para decidir sobre constrição de bens do patrimônio da empresa em recuperação judicial (nesse sentido CC 150.844 – GO).7


Nesse cenário, o governador do Distrito Federal ajuizou a ADC 46, cujo objeto abrange a declaração da constitucionalidade dos arts. 57 da lei 11.101/058 e 191-A do CTN,9 não conhecida por decisão monocrática do relator, ministro Celso de Mello,10 objeto de agravo interno, desprovido por unanimidade pelo plenário do STF (sessão virtual de 21/8/20 a 28/8/20).11


Sem pretender exaurir a matéria, o fato é que há evidente incompatibilidade entre meios e fins na exigência de certidões fiscais para concessão de recuperação judicial, e, portanto, violação ao princípio da razoabilidade, já que o crédito tributário não está sujeito à recuperação judicial.12 Além disso, a exigência é meio indireto de compelir o contribuinte a pagar tributo, violando o princípio do devido processo legal.


Interesse público primário em favor da preservação da empresa

O crédito tributário deve ser cobrado, primeiro administrativamente e, no insucesso do pagamento voluntário – o que é muito comum no caso de devedores empresários em crise – ser inscrito em dívida ativa e perseguido em sede de execução fiscal.


Essa é uma das premissas para se compreender o porquê de defendermos que a exigência do art. 57 da lei 11.101/05, isto é, a apresentação de certidão negativa de débito fiscal, não pode ser óbice à concessão da recuperação judicial.13


Nenhuma Fazenda Pública tem interesse em impedir a recuperação de devedor empresário em situação de crise econômico-financeira. É inconcebível a ideia de que o interesse público poderia ir de encontro à recuperação da atividade empresária, que é, em verdade, sua fonte de receita.


O art. 47 da lei 11.101/05 expressamente declara que a mens legis se pauta no princípio da preservação da empresa. Esta é a normatização infraconstitucional de cláusula pétrea da CRFB, isto é, do art. 1º, IV, que estabelece como fundamento da República o valor social da livre iniciativa.


A livre iniciativa manifestada na forma de atividade empresária desempenha papel fundamental no crescimento da economia e no desenvolvimento da sociedade: gera empregos diretos e indiretos, fomenta a indústria, o comércio, demanda e colabora para evolução tecnológica, para melhoria nos serviços e bens de consumo; em última análise, na promoção daquilo que é objetivo da República, o interesse público primário do Estado, na forma do disposto no art. 3º, incisos I, II e III da CRFB.


O crédito fiscal tributário não está sujeito ao regime de recuperação judicial previsto na lei 11.101/05 e, recentemente, a Terceira turma do STJ decidiu que o crédito fiscal não tributário também não se sujeita à recuperação judicial.14


O entendimento que prevalece atualmente, portanto, é o no sentido de que o crédito fiscal lato sensu não se submete ao procedimento da lei 11.101/05, especialmente a reestruturação de dívida constante de um plano aprovado pelos credores sujeitos.


Como não se submete ao regime de recuperação judicial, a execução do crédito fiscal permanece regida pela legislação especial, qual seja, a lei 6.830/80 (LEF – lei de execução fiscal).


Estabelecida a premissa de que o crédito fiscal está excluído do regime de recuperação da lei 11.101/05, por consectário lógico, seu detentor, a Fazenda Pública, não tem interesse para impugnar a concessão da recuperação judicial.


Ocorre, no entanto, que as Fazendas Públicas têm requerido o indeferimento da concessão de recuperação judicial de devedores que não apresentem certidões negativas de débitos fiscais tributários após a aprovação (tácita ou por sufrágio) do plano de recuperação, alegando o descumprimento do disposto no art. 57 da lei 11.101/05.15


Com efeito, a recuperação judicial afigura-se como direito a ser exercido de forma facultativa pelo devedor empresário regular, e se há lei especial para a execução do crédito fiscal tributário, não é legítimo à Fazenda Pública se arvorar em processo ao qual não se submete para perseguir seu interesse executório.


Não fossem todos os fundamentos jurídicos acima indicados aptos e suficientes a demonstrar que a Fazenda Pública é a maior interessada na efetiva recuperação da empresa, bastaria lembrar que, no plano dos fatos, a arrecadação tributária depende da existência da empresa e dos empregos por ela gerados. Por isso, a necessidade de abastecer os cofres públicos – interesse público secundário – não pode ser validamente invocada para impedir concessão da recuperação judicial da atividade empresária.


Redução dos impactos tributários na recuperação judicial

A edição da lei 14.112/20, lei de transação e das alterações promovidas pela lei 14.375/22, confirmou a preocupação do legislador Federal com o soerguimento da empresa diante dos impactos tributários decorrentes de atos e de fatos relacionados com o processo de recuperação judicial – dando prevalência ao interesse público primário (recuperação da empresa), sem, no entanto, aniquilar o interesse público secundário (arrecadação tributária).


Fez isso, de um lado, ampliando o prazo de parcelamento, com a alteração da redação do art. 10-A da lei 10.522/02,16 e, de outro lado, concedendo isenção em algumas hipóteses e permitindo a utilização do prejuízo fiscal de exercícios anteriores e das bases negativas da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, em hipóteses não admitidas ordinariamente pela legislação vigente.


Descontos da dívida pública obtidos na transação

As alterações promovidas pela lei 14.375/22 (§ 12 do art. 11 da lei da transação),17 estabelecem que os descontos obtidos pelo devedor na transação tributária não serão computados na apuração da base de cálculo: (i) do imposto sobre a renda e da CSLL; e (ii) da contribuição para o PIS/Pasep – Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e da Cofins – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.


Com a exclusão da base de cálculo do Imposto de renda e das contribuições, os ganhos obtidos com a transação não são tributados. Esses benefícios previstos na lei da transação, não são restritos aos devedores em recuperação judicial, aplicando-se a quaisquer devedores que tenham as suas dívidas tributárias ou não tributárias transacionadas.


Descontos da dívida privada obtidos com a aprovação do plano

Em regra, os descontos das dívidas privadas, obtidas pelo devedor por meio de negociação com os seus credores, ficam sujeitas à tributação pelo Imposto de Renda e pela Contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e CSLL.


Mas o devedor em recuperação judicial, passou a ter tratamento mais benéfico. Um dos benefícios é a exclusão dos descontos das dívidas privadas obtidas pelo devedor, com a aprovação do plano de recuperação judicial, da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins (inciso I do art. 50-A da lei 11.101/05)18


Outro benefício é a possibilidade de compensar o lucro decorrente dos descontos das dívidas privadas com o prejuízo fiscal de anos anteriores (“Prejuízo Fiscal Acumulado”) com as bases de cálculo negativas da CSLL (“Bases Negativas da CSLL”), sem a trava de 30% prevista no art. 42 da lei 8.981/95,19 que impede a pessoa jurídica tributada pelo lucro real, na apuração da base de cálculo do IRPJ – imposto de renda da pessoa jurídica, de aproveitar integralmente o prejuízo fiscal acumulado, e no art. 58 da lei 8.981/95,20 ao tratar da apuração da base de cálculo da CSLL.


Como consequência da limitação da possibilidade de compensar o prejuízo de anos anteriores com o lucro de exercícios subsequentes, os contribuintes, passam a acumular prejuízo fiscal e bases de cálculo negativa da CSLL, que constituem direitos detidos pelo contribuinte em face, não sujeito à prescrição. De tempos em tempos, a legislação tributária tem permitido a utilização de prejuízo fiscal acumulado e das bases negativas da CSLL, no âmbito de programas de anistia e remissão concedidas em caráter geral.


Para o contribuinte em recuperação judicial, o inciso II do art. 50-A da lei 11.101/05 permite a utilização do Prejuízo Fiscal Acumulado e das Bases Negativas na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, em relação aos ganhos na renegociação das dívidas no processo de recuperação judicial sem os limites de 30%.21


Ganho de capital na alienação de bens

O art. 6º-B da lei 11.101/05 trata da tributação do ganho de capital, na alienação de bens ou direitos, dispondo que “Não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da lei 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada”.


Os arts. 15 e 16 da lei 9.065/95,22 tal como os arts. 42 e 58 da lei 8.981/95 limitam em 30% do lucro líquido o montante do Prejuízo Fiscal Acumulado e das Bases Negativas da CSLL que podem ser compensados.


O art. 6-B afasta a trava de 30% também na apuração ganho de capital na alienação de bens e direitos pelo devedor em recuperação judicial.23


Parcelamento do IRPJ e da CSLL incidente sobre o ganho de capital

Foi assegurado ao devedor em recuperação judicial o direito a parcelamento do IRPJ e CSLL incidentes sobre o ganho de capital auferido na alienação de bens e direitos (§ 4º do art. 50 da lei 11.101/05, na redação dada pela lei 14.112/20).24


A possibilidade de parcelamento atende a necessidade do devedor em recuperação judicial que não tem prejuízo fiscal acumulado e bases negativas da CSLL, ou não os tem em valores suficientes para compensar com todos ganhos decorrentes dos descontos obtidos com a aprovação do plano e a venda de bens e direitos.


Conclusão

O recente histórico da legislação brasileira revela que, apesar de formalmente existirem normas com o objetivo de viabilizar o equacionamento dos débitos tributários do devedor empresário, materialmente essas normas se mostraram incapazes de atender à finalidade o sistema de recuperação de empresa.


Diante disso, a partir de 2020 o legislador Federal editou normas que conferem tratamento especial dado aos ganhos obtidos na renegociação das dívidas privadas e na transação das dívidas públicas, com a instituições de isenções, a possibilidade de compensação sem a trava de 30% e de parcelamento específico, medidas que reafirmam o reconhecimento da relevância da empresa para propiciar o desenvolvimento do País.


Fonte: Migalhas


Paulo Penalva Santos


Professor de Direito Empresarial do curso de pós-graduação da Fundação Getulio Vargas – RJ. Procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro. Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo


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