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Interposição fraudulenta na importação: cumulação da multa de 10% do art. 33 da Lei nº 11.488/2007

  • Contador SC
  • 8 de jun. de 2021
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Interposição fraudulenta na importação: cumulação da multa de 10% do art. 33 da Lei nº 11.488/2007 com a multa substitutiva do perdimento


A interposição fraudulenta é tipificada no art. 23, V, do Decreto-Lei nº 1.455/1976, na redação da Lei nº 10.637/2002:


“Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:


[…]


V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002).”


Na importação, a infração é configurada nos casos de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, do comprador ou do responsável pela operação, por meio de simulação subjetiva ou de fraude à lei. A sua caracterização pressupõe a coalescência de quatro elementos: (i) o conluio entre as partes (importador ostensivo e o importador oculto); (ii) o negócio aparente ou simulado (a importação aparente, que é declarada para as autoridades aduaneiras); (iii) o negócio oculto ou dissimulado (a importação oculta); e (iv) o intuito de enganar o fisco ou de afastar a incidência de preceito legal proibitivo.


Trata-se de infração sujeita a uma das sanções mais gravosas do direito positivo brasileiro: a pena de perdimento. Essa – quando a mercadoria já foi consumida, revendida ou não for localizada – é convertida em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, conforme previsto no art. 23, § 1º e § 5º, do Decreto-Lei nº 1.455/1976:


“Art. 23. […]


§1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)


[…]


§3º As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências estabelecidos no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)”


Dessa forma, o importador oculto – na condição de proprietário da mercadoria – é o destinatário legal da pena de perdimento, isto é, aquele que deve sofrer os efeitos patrimoniais negativos previstos pela ordem jurídica. Já o importador ostensivo – como parte hipossuficiente cooptada para a prática do ilícito pelo economicamente mais forte – é penalizado com uma multa mais branda, prevista no art. 33 da Lei nº 11.488/2007:


“Art. 33. A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).


Parágrafo único. À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996”[1].


Porém, como ressaltado, em caso de não-localização, de revenda ou de consumo do produto, o § 3º do art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 prevê a conversão da pena de perdimento em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria importada. Essa sanção substitutiva também tem como sujeito passivo o importador oculto, tal qual ocorre com a pena substituída (perdimento). Não obstante, as autoridades aduaneiras têm responsabilizado solidariamente o importador ostensivo com fundamento no art. 95, I, do Decreto-Lei nº 37/1966 (“Art.95 – Respondem pela infração: […] I – conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática, ou dela se beneficie”). Entende-se que, ao servir de “presta-nome” para o real destinatário, o importador ostensivo ou aparente concorre para a prática da infração. Assim, apesar de não ser o destinatário legal da pena, com a conversão do perdimento em multa, acaba respondendo pela sanção.


Essa cumulação é controversa na jurisprudência. No final do ano de 2017, dirimindo divergência entre Turmas de Julgamento[2], a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) admitiu a validade da aplicação simultânea das sanções:


“DANO AO ERÁRIO. INFRAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO. CONVERSÃO EM MULTA. VALOR DA MERCADORIA. LEI 10.637/02. CESSÃO DE NOME. INFRAÇÃO. MULTA. DEZ POR CENTO DO VALOR DA OPERAÇÃO. LEI 11.488/07. RETROATIVIDADE BENIGNA. IMPOSSIBILIDADE.


Na hipótese de aplicação da multa de dez por cento do valor da operação, pela cessão do nome, nos termos do art. 33 da Lei nº 11.488/2007, não será declarada a inaptidão da pessoa jurídica prevista no art. 81 da Lei 9.430/96. A imposição da multa não prejudica a aplicação da multa equivalente ao valor aduaneiro das mercadorias, pela conversão da pena de perdimento dos bens, prevista no art. 23, inciso V, do Decreto-Lei nº 1.455/76.


Descartada hipótese de aplicação do instituto da retroatividade benigna para penalidades distintas”[3].


Após essa decisão, foi aprovada a Súmula CARF nº 155: “A multa prevista no art. 33 da Lei nº 11.488/07 não se confunde com a pena de perdimento do art. 23, inciso V, do Decreto Lei nº 1.455/76, o que afasta a aplicação da retroatividade benigna definida no art. 106, II, “c”, do Código Tributário Nacional”. Com isso, a matéria foi consolidada no âmbito do Carf.


No Judiciário, por sua vez, os Tribunais Regionais Federais (TRF) da 4ª Região[4] e da 3ª Região têm julgados acompanhando essa interpretação[5]. Contudo, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu que o importador oculto deve responder apenas pela pena do art. 33 da Lei nº 11.488/2007:


“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO MEDIANTE INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. CONVERSÃO DA PENA DE PERDIMENTO DE BENS NA MULTA PREVISTA NO ART. 23, V E § 3º, DO DECRETO-LEI N. 1.455/1976. PENALIDADE APLICÁVEL APENAS AO IMPORTADOR OCULTO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA COM O ART. 33 DA LEI N. 11.488/2007.


  1. A controvérsia veiculada nos presentes autos diz respeito à aplicação, em caráter solidário, da multa prevista no § 3º do art. 23 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 ao importador ostensivo na hipótese de importação mediante interposição fraudulenta de terceiros efetiva (art. 23, V, do Decreto-Lei n. 1.455/1976) e presumida (§ 2º do Decreto-Lei n. 1.455/1976 e art. 33 da Lei n. 11.488/2007), quando da impossibilidade da aplicação da pena de perdimento prevista no § 1º de referido decreto.

  2. A interpretação sistemática de referidos dispositivos denota que os casos de importação mediante interposição fraudulenta de terceiro – irrelevante seja ela efetiva ou presumida – admite a aplicação primeira da pena de perdimento de bens e, na sua impossibilidade, consequente aplicação da multa correspondente ao valor da operação ao importador oculto (§ 3º do Decreto-Lei n. 1.455/1976), bem como a aplicação da multa de 10% do valor da operação ao importador ostensivo (art. 33 da Lei n. 11.488/2007).

  3. A lógica adotada pelo Tribunal de origem faz todo o sentido, uma vez que, com a pena de perdimento da mercadoria decorrente da interposição fraudulenta – seja ela efetiva ou presumida -, o patrimônio que realmente se busca atingir pertence ao importador oculto. Ora, se a própria pena de perdimento decorre justamente da conclusão de que houve interposição fraudulenta, ou seja, de que a importação que se realiza foi custeada por outra pessoa em desacordo com a legislação de regência, é forçoso concluir que a finalidade da norma, no seu conjunto, é atingir o patrimônio do real importador.

  4. Tem-se que não foi por outra razão que o legislador, buscando também submeter o importador ostensivo a uma sanção, estipulou a multa de 10% do valor da operação quando ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários (art. 33 da Lei n. 11.488/2007).

  5. Registre-se, por fim, que não procede a alegativa fazendária de que a multa prevista no § 3º do Decreto-Lei n. 1.455/1976 seria aplicada somente quando houver cessão de nome pelo sócio ostensivo, pois a compreensão é que em toda e qualquer importação mediante interposição fraudulenta o importador se vale do seu nome para a realização das operações de comércio exterior de terceiros.

  6. Recurso especial a que se nega provimento”[6].

Na esteira desse precedente, destaca-se a liminar deferida pelo TRF da 1ª Região, no qual, de acordo com a exegese adotada pelo Relator, o art. 33 da Lei nº 11.488/2007 estabeleceu pena mais branda para a interposição fraudulenta de terceiros, sem ressalvar a possibilidade de aplicação concomitante de outras penalidades já previstas em lei:


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. DECRETO-LEI 1.455/76, ART. 23. APLICAÇÃO DE PENALIDADE MAIS BRANDA. LEI 11.488/2007, ART. 33. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO SUPERIOR A DEZ POR CENTO DO VALOR DA OPERAÇÃO ACOBERTADA. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.


  1. “O art. 33 da Lei 11.488/2007 estabeleceu pena mais branda (multa) para a interposição fraudulenta de terceiros, sem ressalvar a possibilidade de aplicação concomitante de outras penas já previstas em lei. Assim sendo, não se justifica mais a decretação do perdimento do bem unicamente com base nesse fundamento [AP 0015301-26.2008.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, Oitava Turma, e-DJF1 p. 1190 de 28/03/2014; REsp 1144751/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe 15/03/2011]” (AC 0027296-02.2009.4.01.3400/DF, TRF1, Sétima Turma, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, e-DJF1 de 22/08/2014, p. 514).

  2. Na espécie, a pretensão da agravante é de que seja determinada a suspensão da exigibilidade de 90% (noventa por cento) da totalidade do crédito tributário resultante do PAF n. 12466.723650/2011-08. O Juízo de origem deferiu parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, tendo sido determinada a suspensão da exigibilidade de 90% (noventa por cento) do crédito tributário discutido, decorrente de infração à norma do art. 23, V do Decreto-Lei n. 1.455/76, relativamente à importação de mercadorias no período compreendido entre 09/02/2007 e 27/07/2010, embora no auto de infração impugnado no feito principal aquele período se estenda até 15/02/2011.

  3. No Tribunal, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal foi deferido “para determinar a suspensão da exigibilidade do valor correspondente a 90% crédito tributário originado do PAF n. 12466.723650/2011-08”, tendo o Relator asseverado que “se efetivamente ocorrida a infração, a sanção a que a agravante estaria sujeita corresponderia a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada. Convicção que autoriza concluir, ainda que neste juízo de preambular exame da pretensão ajuizada, que há fortes indícios de que é ilegal a sanção no valor em que aplicada, para todo o período em que a infração foi identificada. Hipótese que evidencia a ocorrência de plausibilidade jurídica necessária e suficiente para autorizar a suspensão da exigibilidade do crédito constituído, relativamente ao valor que exceder ao percentual de 10% (dez por cento), sobre o valor da operação de importação”.

  4. Agravo de instrumento provido[7].

Nas primeiras reflexões voltadas ao tema, entendemos que seria possível a aplicação cumulativa das penalidades. Contudo, após um exame mais detido, considerando especialmente o estudo de Angela Sartori e de Luiz Roberto Domingo sobre essa matéria[8], ficamos convencidos da necessidade de revisão do entendimento anterior. As razões dessa mudança de interpretação são expostas no Curso de Direito Aduaneiro, podendo ser sintetizado na seguinte passagem:


[…] ao servir como “testa-de-ferro”, o importador ostensivo é coautor da mesma infração praticada pelo importador oculto. A cessão de nome não é uma ação autônoma, mas parte integrante e indissociável da conduta vedada e sancionada pelo ordenamento jurídico. Logo, não há que se cogitar de concurso formal. O que se tem é uma unidade de fato e uma pluralidade de tipos infracionais concorrentes de aparente aplicabilidade: o § 3º do art. 23, V, do Decreto-Lei nº 1.455/1976 e o art. 33 da Lei nº 11.488/2007. O concurso aparente é afastado por meio do critério lógico da especialidade. Esse, como se sabe, estabelece que – havendo mais de um tipo infracional com elementos em comum – aplica-se aquele com o maior número de atributos especializantes. O art. 33 afasta a incidência do § 3º do art. 23, V, porque descreve especificamente a conduta do importador ostensivo que cede o seu nome para acobertamento da operação de comércio exterior praticada por terceiros. A Lei nº 11.488/2007 – em função da dimensão reduzida do benefício auferido pelo importador ostensivo e da hipossuficiência econômica própria de quem se presta ao papel de testa-de-ferro – estabeleceu uma sanção específica, proporcional à gravidade de sua atuação, valorada objetivamente em dez por cento.


Ademais, como bem demonstrado no estudo pioneiro de Angela Sartori e Luiz Roberto Domingo, a pena de perdimento – transformada em multa substitutiva – não pode resultar em uma consequência jurídica mais gravosa para o sujeito passivo. A responsabilidade pelo perdimento cabe ao importador oculto. Este, na condição de proprietário da mercadoria, é o destinatário legal da sanção, vale dizer, quem deve sofrer os efeitos patrimoniais negativos previstos pela ordem jurídica. A conversão – que nada mais é do que uma hipótese de inaplicabilidade por perda do objeto da pena de perdimento – não pode alterar essa realidade normativa, fazendo com que o importador ostensivo responda cumulatividade por ambas as sanções. A esse – antes e após a conversão – cabe apenas a multa de dez por cento do art. 33 da Lei nº 11.488/2007. Do contrário, para a mesma infração, a pena substitutiva apresentaria uma dimensão maior que pena substituída”[9].


Portanto, embora o Carf tenha admitido a cumulação das penalidades, a matéria está longe de ser pacífica no Poder Judiciário. Espera-se que a confirmação da exegese adotada pela 2ª Turma do STJ no REsp 1632509/SP, no acórdão transcrito acima, relatado pelo Eminente Ministro Og Fernandes.


[1] “Art. 81. Poderá ser declarada inapta, nos termos e condições definidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a inscrição no CNPJ da pessoa jurídica que, estando obrigada, deixar de apresentar declarações e demonstrativos em 2 (dois) exercícios consecutivos. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)”.


[2] 3ª S. 1ª C. 2ª TO. Acórdão nº 3102-00.662. S. 24/05/2010; e 3ª S. 4ª C. 2ª TO. Acórdão nº 3402-002.362. S. 23/04/2014.


[3] Carf. CSRF. 3ª T. Acórdão nº 9303-006.000. S. 29/11/2017.


[4] TRF4. 1ª T. Ac 5015668-94.2017.4.04.7205. Publicação em 21/11/2018.


[5] TRF3. 4ª T. ApCiv 5024327-39.2017.4.03.6100. e-DJF3 de 06/03/2020.


[6] STJ. 2ª T. REsp 1632509/SP. Rel. Min. Og Fernandes. DJe 26/06/2018.


[7] TRF-1ª R. 8ª T. AG 0008663-45.2015.4.01.0000. Rel. Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa. e-DJF1 24/02/2017.


[8] SARTORI, Angela; DOMINGO, Luiz Roberto. Dano ao erário pela ocultação mediante fraude – a interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; SARTORI, Angela; DOMINGO, Luiz Roberto (Coord.). Tributação aduaneira à luz da jurisprudência do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. São Paulo: MP-APET, 2013, p. 64.


[9] SEHN, Solon. Curso de direito aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 444.


Solon Sehn

Advogado, graduado em Direito pela UFPR, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Ex-Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Membro da Câmara de Assuntos Legislativos e Tributários da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Professor conferencista no curso de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Professor convidado das especializações em direito aduaneiro da Faculdade de Direito de Curitiba (UniCuritiba) e em direito da aduana e do comércio exterior da Univali, entre outras instituições de ensino.


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