O que os presidenciáveis propõem em matéria tributária?
- Contador SC
- 16 de set. de 2022
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O período eleitoral presidencial reacende os mais diversos debates sobre políticas públicas. Com a proximidade de nossa ida às urnas para o exercício da democracia, pretendemos, com o presente artigo, auxiliar na qualificação do debate sobre os planos dos presidenciáveis relacionados à tributação.
A partir das propostas de governo dos 11 candidatos à Presidência da República registradas no Tribunal Superior Eleitoral[1], identificamos os projetos tributários dos presidenciáveis. Em geral, as proposições são vagas e abstratas, não contemplando detalhamentos sobre como seriam implementadas pelo candidato eleito.
Para fins de comparação e análise, as propostas foram classificadas de acordo com as temáticas de tributação do consumo, renda, patrimônio ou outras. Nessa última categoria, foram incluídas todas as propostas que não se enquadram exclusivamente em nenhuma das categorias anteriores.
Propostas para a tributação sobre o consumo
Os candidatos Ciro Gomes, Simone Tebet e Felipe D’Avila defendem expressamente a unificação dos tributos incidentes sobre o consumo de bens e serviços em um único imposto ou a adoção de imposto sobre valor adicionado (IVA).
Propostas similares foram debatidas pelo Congresso Nacional nos últimos anos. A PEC 45/2019 e a PEC 110/2019 tramitam, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado. Embora com algumas diferenças entre si, ambas possuem o objetivo de substituir os atuais tributos incidentes sobre o consumo por tributos do tipo IVA.
A proposta da PEC 45/2019 é a substituição dos atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência nacional. Na PEC 110/2019, é proposto o modelo de IVA dual, de forma que o ICMS e o ISS, tributos subnacionais, seriam substituídos pelo IBS e as contribuições ao PIS e à Cofins dariam lugar à Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), de competência federal. O PL 3887/2020, proposto pelo Ministério da Economia, também prevê a adoção da CBS, alinhada ao modelo de IVA.
A adoção do IVA é recomendada ao Brasil pela OCDE[2], com o objetivo de reduzir a complexidade do sistema tributário, corrigir distorções econômicas, diminuir os custos de conformidade dos contribuintes e aumentar a produtividade brasileira[3]. Um IVA moderno consegue alcançar esses objetivos por possuir características amplamente recomendadas pela literatura internacional[4], não observadas pelos tributos que atualmente incidem sobre o consumo no Brasil, quais sejam: (i) base ampla de incidência, abrangendo todos os bens e serviços, (ii) não cumulatividade plena, com adoção do regime de crédito financeiro e devolução ágil de créditos acumulados; (iii) tributação no destino, desonerando exportações e tributando importações; (iv) adoção de regras homogêneas, para não distorcer a atividade produtiva; e (v) transparência, permitindo ao cidadão o conhecimento da carga tributária.
Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro mencionam a pretensão de simplificar a tributação do consumo, mas não explicam como pretendem alcançar esse objetivo.
Lula, Jair Bolsonaro, Ciro, Léo Péricles, Sofia Manzano e Vera Lúcia defendem a redução da carga tributária incidente sobre o consumo, com fundamento em diminuir a regressividade do sistema tributário brasileiro. Com exceção de Bolsonaro e Péricles, os candidatos propõem, como compensação, o aumento da tributação da renda.
O Brasil, na comparação com os países da OCDE, realmente tributa mais o consumo e menos a renda. Em 2019, enquanto a carga tributária brasileira incidente sobre renda, lucros e ganhos de capital representava 7,3% do PIB, a média da carga de 36 países da OCDE era de 11,5%. A carga tributária sobre bens e serviços no Brasil equivalia a 14,1% do PIB, enquanto a média da OCDE totalizava 11,1%[5]. Eventual reequilíbrio da composição da carga tributária é uma decisão política, que deve considerar, inclusive, a repartição de competências tributárias estabelecida pela Constituição Federal. Esse reequilíbrio, por si só, não substitui ajustes demandados pelo sistema brasileiro na tributação do consumo e da renda para promoção da progressividade.
Propostas para a tributação da renda
Ciro, Péricles e Sofia propõem a tributação de lucros e dividendos.
Estudo do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper analisou a experiência internacional e avaliou que tributar lucros e dividendos, prática comum entre os países da OCDE, é uma boa proposta, mas deve ser implementada em conjunto com outras medidas orientadas pela progressividade, eficiência econômica e equidade, como o aprimoramento dos regimes de tributação simplificada brasileiros e a correção da tabela progressiva do IRPF[6].
Bolsonaro, Péricles, Sofia e Vera defendem o aumento da faixa de isenção do IRPF. Bolsonaro e Sofia propõem a isenção para aqueles que recebem rendimentos mensais de até 5 salários mínimos e Vera sugere o limite de até 10 salários mínimos. Péricles não menciona valores.
A preocupação com a progressividade da tributação incidente sobre a renda é expressa por Lula, Tebet, Péricles, Sofia e Vera. Os três primeiros candidatos apenas mencionam o assunto, enquanto Sofia e Vera apresentam proposta objetiva: a tributação dos mais ricos em alíquota de 50% de IRPF.
O PL 2337/2021, de autoria do governo Bolsonaro, que prevê a tributação de lucros e dividendos e ajustes na tabela progressiva, dentre outras alterações, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ainda tramita no Senado. Porém, Bolsonaro, enquanto candidato, se manifestou pela insuficiência do projeto em seu plano de governo.
Propostas para a tributação do patrimônio
A tributação de grandes fortunas é pauta de Ciro Gomes, Léo Péricles e Sofia Manzano. Apenas Ciro divulga maior detalhamento sobre o assunto, propondo a base de cálculo, a alíquota aplicável e estimando a arrecadação.
Embora as iniciativas de tributação de grandes fortunas sejam pautadas no louvável objetivo de perseguir a progressividade, as evidências teóricas e empíricas extraídas da experiência internacional com impostos similares demonstram que a adoção do IGF pode ser pouco eficiente, com altos custos de implementação e pouco potencial de arrecadação. Os estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper já foram apresentados em artigo nesta coluna[7].
Léo Péricles fala genericamente em criar ou aumentar impostos sobre grandes propriedades, e Sofia Manzano sinaliza preocupação em tributar heranças.
Outras propostas
Soraya Thronicke tem como foco principal de sua campanha a adoção do Imposto Único Federal (IUF). No plano de governo da candidata, o IUF é apresentado como uma nova forma de arrecadação dos tributos federais, que promoverá simplificação “radical”. Embora nesse documento não seja detalhada essa proposta, consta, no sítio eletrônico do partido da candidata, a informação de que o IUF seria um imposto incidente sobre transações financeiras (ou seja, Pix, transferências bancárias etc.) com alíquota de 1,80% para quem efetua a transação e 1,80% para quem a recebe[8].
Essa proposta foi muito defendida pelo vice de Soraya, Marcos Cintra, enquanto secretário da Receita Federal no primeiro ano do governo Bolsonaro. Entretanto, as experiências internacionais e nacionais (como a CPMF) não indicam que esse é um bom projeto, em especial porque tributos desse tipo são cumulativos e regressivos, prejudicando a competitividade das empresas brasileiras e incidindo proporcionalmente mais sobre os mais pobres. Tributos sobre transações financeiras provocam consequências nocivas também à economia, ao estimular a desintermediação bancária e o encarecimento do crédito[9].
Nas propostas de governo de Ciro, Tebet e Vera fica clara também a preocupação em revisar ou diminuir os gastos tributários. Na contramão, Bolsonaro, Tebet e Constituinte Eymael prometem a concessão de incentivos tributários aos setores de base industrial de defesa, inovação e construção civil, respectivamente.
Ainda, os candidatos falam, de forma recorrente e sem identificar proposições objetivas, em simplificar o sistema tributário, reduzir a carga tributária, promover a justiça social e combater a sonegação de impostos.
Diante disso, as propostas parecem pouco detalhadas (sem recomendações concretas ou previsão de alíquotas, renúncia e impactos econômicos) e, muitas vezes, omissas em relação a temas frequentemente mencionados no debate político tributário nacional, como o aperfeiçoamento do Simples Nacional, do regime de lucro presumido e dos incentivos da Zona Franca de Manaus. Também é percebida desconexão das propostas com assuntos que figuram pautas internacionais, como a tributação da emissão de carbono ou de plataformas digitais (digital tax).
A análise das propostas de governo dos presidenciáveis é positiva, pois reflete a preocupação popular com a temática tributária. No entanto, por serem planos ainda abstratos, revela que há muito que se avançar para o aperfeiçoamento no sistema tributário brasileiro. Nesse cenário de imprecisão, o uso de evidências na formulação de políticas tributárias parece ser um bom primeiro passo a percorrer rumo à racionalização da tributação brasileira.
[1] Foram consideradas apenas as candidaturas ativas (deferidas ou pendente de julgamento). Para mais informações, acesse: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2022/2040602022/BR/candidatos.
[2] OCDE. Going for Growth 2021. Disponível em: https://www.oecd.org/economy/growth/Brazil-country-note-going-for-growth-2021.pdf.
[3] Sobre o assunto, recomendamos: Reforma Tributária: 7 mitos sobre o IVA. Disponível em: https://www.insper.edu.br/conhecimento/conjuntura-economica/reforma-tributaria-7-mitos-acerca-do-iva/;
[4] Sobre o assunto, recomendamos: (i) EBRILL, Liam; KEEN, Michael; BODIN, Jean-Paul; SUMMERS, Victoria. The Modern VAT. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2001; (ii) https://www.imf.org/external/np/fad/tpaf/pages/vat.htm; e (iii) Insper Conhecimento. Glossário da reforma tributária. https://www.insper.edu.br/conhecimento/conjuntura-economica/reforma-tributaria/.
[5] Receita Federal do Brasil. Carga Tributária no Brasil 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/carga-tributaria/carga-tributaria-no-brasil-2020/view.
[6] Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. Relatório de Pesquisa Tributação de Renda no Brasil. Disponível em:https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/08/Reforma-Tributac%CC%A7a%CC%83o-da-Renda-Parte-1-04ago20.pdf.
[7] MESSIAS, Lorreine; LONGO, Larissa Luzia. Tributação de grandes fortunas: o que as evidências sugerem? JOTA, 01 set. 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/inspertax/tributacao-de-grandes-fortunas-nas-eleicoes-o-que-as-evidencias-sugerem-01092022.
[8] União Brasil. Imposto Único Federal: conheça a proposta de Soraya Thronicke. Disponível em: https://uniaobrasil.org.br/2022/08/29/imposto-unico-federal-conheca/.
[9] Sobre o assunto, recomendamos: Insper Conhecimento. Estudos detectam vulnerabilidades da CPMF. Disponível em: https://www.insper.edu.br/conhecimento/conjuntura-economica/estudos-detectam-vulnerabilidades-da-cpmf/.
CARLA MENDES NOVO – Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper
LARISSA LUZIA LONGO – Pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper
LEONARDO DE ANDRADE REZENDE ALVIM – Pesquisador do Núcleo de Tributação do Insper
Fonte: Jota
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