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Das várias abordagens à Teoria Contábil

  • Contador SC
  • 20 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

A teoria contábil pode ser encarada sob várias abordagens (ênfases). É improvável, todavia, que possamos utilizar apenas uma delas para definir todo o modelo contábil. Discutiremos, agora, as principais abordagens. A discussão está baseada, em boa parte, nos conceitos do texto de Hendriksen, citado, e em tendências mais recentemente observadas.


A abordagem ética

Segundo esta abordagem, a Contabilidade deveria apresentar-se como justa e não enviesada para todos os interessados. Deveria repousar nas noções de verdade e fairness. Ao mesmo tempo em que todos concordam que a Contabilidade deveria ser “verdadeira”, “justa” e “não enviesada”, é muito difícil, como afirma Hendriksen, definir, objetivamente, o que vem a ser “justo”, “verdadeiro” ou “não enviesado”.


Contadores diferentes poderiam ter diferentes ideias sobre tais conceitos. Por exemplo, alguns poderiam conceber que todos os usuários seriam bem servidos se a base de avaliação fosse a custos históricos, na premissa de que são objetivos e, portanto, verdadeiros, justos e não enviesados. Para outros, todavia, o custo histórico pode ser enviesado em algumas circunstâncias, no sentido de que não fornece uma avaliação do custo de reposição dos fatores de produção, na data dos balanços. Isto pode introduzir um viés no julgamento, e também não seria “justo”, digamos, para a gerência da empresa, pois não estaríamos reconhecendo os acréscimos nos preços dos inventários, por exemplo, deixando de atribuir à gerência o mérito por uma estocagem antecipada.


A abordagem ética é muito enfatizada por alguns autores; todavia, por ser muito subjetiva, apresenta o perigo de, por comodismo, continuarmos aceitando, no estado em que se encontram, os atuais princípios de Contabilidade, sem pesquisar as mudanças que poderiam ser adotadas. Além do mais, a abordagem ética não distingue muito bem as necessidades diferenciadas dos vários usuários, pretendendo apresentar um único conjunto de informações que deveria ser “justo” para todos. Isto, no estágio atual, é praticamente inviável.


A abordagem comportamental

Segundo esta abordagem, as informações contábeis deveriam ser feitas “sob medida”, de forma que os usuários reagissem para tomar a decisão correta. Esta abordagem atinge os campos da Psicologia, da Sociologia e da Economia. É dada ênfase à forma pela qual os relatórios contábeis são utilizados mais do que ao desenvolvimento lógico dos demonstrativos.


Em outras palavras, é melhor um procedimento empírico que leve a decisões corretas do que um procedimento contábil conceitualmente correto que possa levar a uma decisão ou a um comportamento inadequado. Esta abordagem repousa no julgamento subjetivo do que é bom ou mau comportamento ou reação. Muita pesquisa será necessária, ainda, no campo da teoria do comportamento, antes que esta abordagem possa ser aplicada, com maior intensidade, na Contabilidade.


Desempenha, por enquanto, um papel não relevante, embora a tendência parecesse, alguns anos atrás, de se tornar de uso crescente, principalmente na pesquisa.


A abordagem macroeconômica

A abordagem macroeconômica é semelhante à da teoria do comportamento, porém fixa-se em objetivos econômicos definidos. Utiliza-se do approach da teoria do comportamento para atingir determinados fins macroeconômicos. Por exemplo, durante períodos de recessão, os relatórios contábeis poderiam ser elaborados obedecendo a um conjunto de princípios que favorecessem uma retomada do processo econômico, por meio da distribuição de mais dividendos ou de maiores gastos de capital. Note, todavia, que quem toma as decisões para distribuir mais dividendos ou gastar mais em termos de expansão são os administradores, tomadores de decisão.


A Contabilidade apenas favoreceria este tipo de política. Por outro lado, o inverso poderia ocorrer em períodos de expansão exagerada e de consequente inflação, de forma que as práticas contábeis desfavorecessem os investimentos. A maioria dos países realiza tais políticas de aquecimento ou desaquecimento por intermédio da política monetária ou da política fiscal, enquanto outros, principalmente a Suécia, fazem tentativas para basear seus conceitos contábeis em metas macroeconômicas. Um dos aspectos fundamentais desta abordagem é reportar lucros relativamente estáveis de período para período, o que é conseguido por meio de políticas flexíveis de depreciação e de provisões.


Da mesma forma que a teoria do comportamento, esta abordagem apresenta aspectos subjetivos de difícil avaliação à luz do estágio atual do desenvolvimento da economia. Por outro lado, por restringir-se à obtenção de determinadas metas macroeconômicas, que são normalmente determinadas pelo planejamento central de um país, esta abordagem somente seria viável em economias altamente planificadas.


Parece-nos que as vias mais fáceis e diretas para os governos obterem algumas metas passam por suas políticas fiscais e monetárias, deixando às unidades microeconômicas a tarefa de apurar seus resultados de forma adequada e consistente. Não nos parece que a função da Contabilidade seja a de “equalizar” os lucros dos períodos, e sim reportar, por meio da utilização consciente de um conjunto de postulados, princípios, normas e procedimentos, o lucro “real” dos empreendimentos, de forma que o investidor possa tomar adequadamente suas decisões de distribuição, investimento e financiamento.


A abordagem sociológica

A Contabilidade, nesta abordagem, é julgada por seus efeitos no campo sociológico. É uma abordagem do tipo “bem-estar social” (welfare), no sentido de que os procedimentos contábeis e os relatórios emanados da Contabilidade deveriam atender a finalidades sociais mais amplas, inclusive relatar adequadamente ao público informações sobre a amplitude e a utilização dos poderes das grandes companhias. Na Inglaterra e Grã-Bretanha, a abordagem teve uma aplicação parcial quando se obrigaram as sociedades anônimas a evidenciarem, claramente, eventuais contribuições para entidades de caridade e para organizações políticas. São bastante complexas a definição e a aplicação precisa desta abordagem, pois, muitas vezes, os aspectos sociológicos podem ser inferidos apenas na análise dos procedimentos que estão sendo utilizados.


As inter-relações de interesses afetados pelo uso dos poderes e recursos das grandes sociedades são inúmeras e, às vezes, contrastantes. Nos países em desenvolvimento, por exemplo, esta abordagem poderia ser confundida com restrições à ação das multinacionais e ser motivo para grandes disputas que escapariam do âmbito contábil. Todavia, não há dúvidas de que certos itens de “despesa” das grandes sociedades mereceriam uma explicação melhor, mas isto pode ser obtido por intermédio de normas bem precisas sobre a evidenciação em notas explicativas ou em quadros suplementares ao balanço.


Uma variante desta abordagem é a chamada Contabilidade Social, que consiste em ampliar a evidenciação contábil para incluir informações sobre níveis de emprego da entidade, tipos de treinamento, demonstração de valor adicionado etc. Outra ramificação importante é a Contabilidade Ecológica (Ambiental).


Esta abordagem está sendo bastante pesquisada na atualidade, dada a amplitude de interesses que procura atingir (sindicatos de empregados, governos etc.). Inclusive, mais recentemente, tendo como seu pioneiro Hopwood (1978), surge uma nova abordagem que poderíamos denominar de Institucional e Social, que vai muito além das motivações puramente técnicas e formais da Contabilidade, para estudar o caráter simbólico e de legitimização que pode ter, na estrutura social, influenciando-a e sendo por ela influenciada, principalmente dentro das empresas e em seu ambiente mais amplo.


Assim, por exemplo, uma empresa que possua um sistema de informação contábil avantajado é passível de ser considerada, pela sociedade, como respeitável e digna de confiança etc. Esta vertente tem inúmeras facetas que podem ser pesquisadas e contribui ou pode contribuir bastante para a Teoria da Contabilidade, não podendo, todavia, ser sua ênfase única ou, mesmo, principal. O aspecto racional nunca pode deixar de ser enfatizado pois, mais importante do que “o que a Contabilidade faz” é “o que ela é ou pode vir a ser”.


A abordagem sistêmica

Esta parece ser uma base profícua para a Contabilidade, que, de fato, pode ser conceituada como o método de identificar, mensurar e comunicar informação econômica, financeira, física e social, a fim de permitir decisões e julgamentos adequados por parte dos usuários da informação. Esse processo de comunicação implica o reconhecimento dos tipos de informação necessária para cada principal usuário da informação contábil e a avaliação da habilidade dos usuários em interpretar a informação adequadamente.


Não parte de posições doutrinárias sobre qual é o tipo de decisão que leva a resultados adequados e não entra em critérios de julgamento tanto sobre a ética de determinado procedimento como sobre o uso dos poderes societários, mas procura entender as necessidades expressas de cada usuário e fornecer uma resposta adequada, com a única ressalva de que envolve, por parte do contador, um entendimento sobre as restrições do usuário, para utilizar uma grande gama de informações, e sobre as restrições de mensuração da própria Contabilidade.


Realça, assim, a noção de relevância, talvez uma das poucas formas de delimitar a quantidade e a qualidade da informação prestada; caso contrário, não saberíamos quais os limites a serem impostos à comunicação e à informação. Envolve um processo de participação entre usuário e Contabilidade e uma noção sistêmica da Contabilidade dentro do processo ou sistema de informação empresarial.


SÉRGIO DE IUDÍCIBUS

É professor titular aposentado (Emérito) do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/ USP). Atualmente, é professor do Mestrado em Ciências Contábeis e Financeiras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Conselho Curador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI). Foi Visiting Professor da Universidade de Kansas, nos EUA, quando, em 1986, ministrou, no Mestrado dessa instituição, as disciplinas Contabilidade Gerencial e Seminários de Teoria da Correção Monetária Contábil. Associou seu nome a uma importante etapa da evolução da Contabilidade no Brasil, quando, em 1962, juntamente com outros pioneiros, iniciou a mudança do ensino e da pesquisa em Contabilidade, lançando as bases de uma linha de pensamentos mais voltada para as necessidades do usuário da informação contábil. Exerceu, em várias gestões, a Chefia do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP, bem como foi seu Diretor entre 1979 e 1983. Também exerceu a função de Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil.


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