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Objetivos e abordagens (ênfases) da teoria contábil

  • Contador SC
  • 16 de jun. de 2021
  • 8 min de leitura

O ponto de partida para o estudo da teoria de uma ciência social como a Contabilidade é estabelecer seus objetivos. A nosso ver, a formulação de tais objetivos a partir da observação da realidade transcende os próprios princípios e normas, pois estes, na verdade, fornecem apenas os meios conceituais para atingirmos os objetivos, que são o ponto mais alto da estrutura hierárquica da disciplina.


Nesse aspecto, o estabelecimento dos objetivos da Contabilidade pode ser feito na base de duas abordagens distintas: ou consideramos que o objetivo da Contabilidade é fornecer aos usuários, independentemente de sua natureza, um conjunto básico de informações que, presumivelmente, deveria atender igualmente bem a todos os tipos de usuários, ou a Contabilidade deveria ser capaz e responsável pela apresentação de cadastros de informações totalmente diferenciados, para cada tipo de usuário.


Frequentemente, a segunda alternativa tem sido a citada pelos autores como a correta; todavia, ou porque a natureza do modelo decisório de cada tipo de usuário não foi ainda inteiramente revelada, ou por não ser do conhecimento dos contadores, o fato é que raramente se tem visto um desenvolvimento coerente e completo de quais seriam os vários conjuntos completos de informações a serem fornecidos para cada tipo de usuário.


Nosso ponto de vista diferencia-se dos dois citados e repousa mais na construção de um “arquivo básico de informação contábil”, que possa ser utilizado, de forma flexível, por vários usuários, cada um com ênfases diferentes neste ou naquele tipo de informação, neste ou naquele princípio de avaliação, porém extraídos todos os informes do arquivo básico ou “data-base” estabelecido pela Contabilidade.


Ênfases da Teoria Contábil

O American Institute of Certified Public Accountants (AICPA) publicou, em 1973, um relatório do Grupo de Estudos sobre os Objetivos dos Demonstrativos Financeiros, denominado “Objetivos dos Demonstrativos Financeiros”. Vamos comentar alguns trechos mais importantes dos primeiros capítulos, que tocam de perto o problema que estamos examinando.


Uma afirmação geral é que “a função fundamental da Contabilidade (…) tem permanecido inalterada desde seus primórdios. Sua finalidade é prover os usuários dos demonstrativos financeiros com informações que os ajudarão a tomar decisões. Sem dúvida, tem havido mudanças substanciais nos tipos de usuários e nas formas de informação que têm procurado. Todavia, esta função dos demonstrativos financeiros é fundamental e profunda. O objetivo básico dos demonstrativos financeiros é prover informação útil para a tomada de decisões econômicas”.


Analisemos mais detidamente as afirmações acima: enquanto se procura enfatizar as mudanças ocorridas no tipo de usuário e nas formas de informação que tem procurado, a função da Contabilidade (objetivo) permanece praticamente inalterada através dos tempos, ou seja, prover informação útil para a tomada de decisões econômicas.


A decisão sobre o que é útil ou não para a tomada de decisões econômicas é, todavia, muito difícil de ser avaliada na prática. Isto, como afirmamos anteriormente, exigiria um estudo profundo do modelo decisório de cada tipo de tomador de decisões que se utiliza de dados contábeis.


Deveríamos:


(a) estabelecer claramente qual a função-objetivo que desejamos maximizar;


(b) coletar e avaliar o tipo de informação utilizada no passado para maximizar a função;


(c) prover o modelo preditivo que irá suprir o modelo decisório para a maximização da função-objetivo. Isto nem sempre é fácil, pois, conforme o tipo de usuário, pode existir mais de uma função a ser maximizada.


Por exemplo, o acionista gostaria, provavelmente, de ver maximizado seu rendimento (fluxo de dividendos) por ação, mas também pode estar interessado em maximizar o valor patrimonial da ação, em caso de retirada ou liquidação da sociedade. Ora, frequentemente, a maximização do dividendo por ação e a do valor patrimonial da ação exigem tomadas de decisões, no tempo, se não conflitantes, em todos ou em alguns casos, pelo menos diferenciadas quanto à ênfase. E, também, o fluxo de informação contábil, que será o insumo do modelo decisório, pode, em cada caso, ser diferente.


No primeiro caso (dividendos por ação), as entradas líquidas de caixa futuras talvez sejam o insumo informativo mais importante, enquanto no segundo caso um conceito de lucro contábil, talvez expresso em termos de custos de reposição, provavelmente seja o mais adequado.


Se, mesmo no contexto de um único tipo de agente decisório, a Contabilidade frequentemente tem necessidade de contar com um cadastro básico de informações bastante diferenciadas, o que dizer, então, dentro de um quadro mais amplo de vários tipos de usuários da informação contábil?


Uma breve enunciação dos principais tipos de usuários de informações contábeis, com a natureza básica das informações mais requisitadas por eles, mesmo correndo o risco de não ser completa, poderá auxiliar-nos a entender melhor o problema:

Note que enunciamos as principais metas de cada tipo de usuário sem sermos exaustivos e sabendo que algumas metas principais de algum tipo de usuário podem ser, ao mesmo tempo, metas auxiliares ou secundárias de outros. Por exemplo, o acionista minoritário de pequeno poder aquisitivo pode estar interessado na valorização do valor de mercado da ação, mas seu objetivo principal é garantir-se com um fluxo regular e seguro de dividendos, para completar sua renda pessoal.


Por outro lado, não podemos esquecer que a Contabilidade atua num contexto social e é influenciada por ele, ao mesmo tempo que o influencia. Racionalidade e técnica são elementos importantes na Contabilidade, mas não são os únicos. Nem sempre as ações dos agentes são totalmente racionais.


Verifique que a necessidade ou o desejo de maximização de fluxos de caixa aparece muitas vezes, e este é um tipo de informação (fluxo de caixa) que os relatórios financeiros publicados às vezes não continham. Nos últimos anos, esta questão, principalmente no que se refere à evidenciação de outros fatos presentes ou futuros ligados à geração de fluxos de caixa, está sendo muito enfatizada pelos teóricos. Os demonstrativos publicados, segundo eles, deveriam suprir algum tipo de informação sobre a geração de fluxos de caixa futuros, a fim de servirem como elemento preditivo para os vários tipos de usuários.


Em alguns países, a publicação do fluxo de caixa é obrigatória, juntamente com as demonstrações tradicionais, como certamente o é no Brasil, atualmente. Podemos ainda ressaltar que os vários tipos de usuários estão mais interessados em fluxos futuros, de renda ou de caixa, do que propriamente em dados do passado. Em outras palavras, para bom número de decisões dos vários tipos de usuários, os demonstrativos financeiros somente são efetivamente importantes à medida que possam ser utilizados como instrumento de predição sobre eventos ou tendências futuras. Este é um aspecto do qual voltaremos várias vezes a tratar neste trabalho.


Isto não quer dizer que a informação sobre o passado ou o presente não seja importante, mas significa que somente é importante se o que foi reportado em termos contábeis no passado for relevante para o futuro, ou, explicando melhor, se, ocorrendo no futuro o mesmo conjunto de eventos ocorridos no passado, tivermos algum tipo de segurança de que os parâmetros financeiros passados se repetirão.


Isto implica também uma noção de adequação da mensuração contábil. Mas, admitindo, por enquanto, que a informação passada foi colhida com métodos adequados de mensuração e que é importante e válida para predizer o que poderá ocorrer no futuro, em situações semelhantes, ainda temos várias metas a serem maximizadas, que envolvem informações ou conjuntos de informações diferenciados. Na prática, o problema é complexo, pois, ou fornecemos conjuntos separados de informação para cada tipo de usuário, ou fornecemos uma única informação-relatório, tão abrangente e detalhada, que poderá servir a muitos usuários, embora não sirva para todos.


Além disso, como Hendriksen muito bem adverte: “Embora possa ser possível (com muita dificuldade) determinar os modelos decisórios que descrevem como os usuários realmente tomam suas decisões e qual informação desejam, esse procedimento pode não levar aos melhores resultados, porque os usuários estão limitados pela informação contábil disponível no momento ou porque eles podem não estar usando os melhores modelos.”


Em outras palavras, o modelo decisório é influenciado pela informação disponível ou que, historicamente, tem sido utilizada pelos usuários. Qual a abordagem possível? Como afirmamos no início da seção, provavelmente as duas abordagens são algo extremadas, embora a informação específica para usuários específicos seja, idealmente, a melhor.


Entretanto, nem sempre é possível ou desejável obter toda a informação relevante para cada tipo de usuário, em virtude de problemas de mensuração da Contabilidade e das próprias restrições do usuário, bem como por problemas de custo.


Provavelmente, o sistema de informação contábil dentro da empresa deveria ser dimensionado para captar e registrar uma série bastante ampla de informações elementares, que poderiam ser agregadas, classificadas e apresentadas em vários subconjuntos, conforme o interesse particular de cada tipo de usuário. Entretanto, não estamos, ainda, inclusive por questões de custo do sistema de informação, em condições de fornecer toda a informação relevante, no momento em que for necessário, para cada tipo de usuário.


Não é somente um problema de mensuração, mas também de utilização de um critério de avaliação diferenciado, para cada caso. No que se refere à avaliação, voltaremos a tratar do assunto em várias seções do livro. O sistema contábil deveria ser capaz de produzir, em intervalos regulares de tempo, um conjunto básico e padronizado de informações que deveria ser útil para um bom número de usuários, sem esgotar as necessidades destes, mas resolvendo-lhes as mais prementes. E, ainda assim, deveria ser capaz de reagir, mais lentamente, é verdade, mas seguramente, às solicitações diferenciadas de usuários.


No que se refere ao primeiro aspecto, provavelmente a melhor maneira de enriquecer os relatórios básicos fundamentais é por meio de uma hábil evidenciação de informações adicionais, em quadros suplementares do balanço que demonstrem, entre outras informações: (1) lucro por ação; (2) fluxo de caixa projetado para o próximo exercício; e (3) possivelmente, todo o conjunto de demonstrativos projetados para o próximo exercício.


O objetivo básico da Contabilidade, portanto, pode ser resumido no fornecimento de informações econômicas para os vários usuários, de forma que propiciem decisões racionais. Não conhecemos suficientemente, ainda, todos os detalhes de cada modelo decisório de cada usuário. Enquanto isso não for conseguido, não poderemos atender igualmente bem, em todo e qualquer tempo, a todos os usuários. A alternativa é formar um arquivo-base de informação contábil capaz de fornecer saídas, periodicamente, de utilidade para as metas de maior número possível de usuários.


O sistema deveria ter capacidade para gerar relatórios de exceção para finalidades informativas especiais. Os relatórios contábeis tradicionais deveriam ter poder preditivo e vir acompanhados de quadros informativos suplementares, demonstrando informações históricas e preditivas sobre indicadores de interesse para os vários usuários.


O quadro dá-nos uma boa ideia das informações que poderiam ser contidas nos informes suplementares. Estamos cônscios da impossibilidade ou da impraticabilidade atual de obedecer à definição ideal dos objetivos da Contabilidade, mas estamos atuando decisivamente para conhecer melhor nossos usuários. Um bom caminho já foi percorrido, e é possível que muito ainda venhamos a descobrir, dependendo da metodologia de pesquisa que utilizarmos para atingir os objetivos da Contabilidade.


No que se refere ao Objeto da Contabilidade, há muitos anos tem sido defendido como o patrimônio e suas variações quantitativas e qualitativas. Esse, todavia, é apenas um primeiro atalho para entender o assunto. Mais recentemente, está se desenvolvendo a noção de que o verdadeiro objeto, amplo, da Contabilidade é o estudo, em todos os seus aspectos, da informação contábil e financeira, mas, também, social e de sustentabilidade.


SÉRGIO DE IUDÍCIBUS

É professor titular aposentado (Emérito) do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/ USP). Atualmente, é professor do Mestrado em Ciências Contábeis e Financeiras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Conselho Curador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI). Foi Visiting Professor da Universidade de Kansas, nos EUA, quando, em 1986, ministrou, no Mestrado dessa instituição, as disciplinas Contabilidade Gerencial e Seminários de Teoria da Correção Monetária Contábil. Associou seu nome a uma importante etapa da evolução da Contabilidade no Brasil, quando, em 1962, juntamente com outros pioneiros, iniciou a mudança do ensino e da pesquisa em Contabilidade, lançando as bases de uma linha de pensamentos mais voltada para as necessidades do usuário da informação contábil. Exerceu, em várias gestões, a Chefia do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP, bem como foi seu Diretor entre 1979 e 1983. Também exerceu a função de Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil.


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